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Uma das coisas que mais me deixa feliz com Overwatch é ver tantos heróis de tantos lugares do mundo e com diferentes etnias, características e culturas. Não é fácil fazer uma gama de personagens com tantos detalhes culturais quanto podemos ver em Overwatch, que mesmo quando você vê as descrições das histórias dos heróis, pode ver muita pesquisa antropológica envolvida no processo de criação de cada um deles. E acaba não tendo nenhum esteriótipo forçado nos personagens: cada história é única, cada aspecto cultural baseia-se em diferentes elementos, como a D.Va que é jogadora pró-player de Starcraft, ou a Zarya que é russa e atleta fisiculturista, ou a Mei, que é chinesa e cientista climatologista.

Pensando nisso, vi algumas semanas atrás umas notícias interessantes que achei legal compartilhar por aqui. A primeira delas é a do relato de uma pessoa Eyak,  que fala positivamente das skins Pássaro-trovão e Dançarina da Chuva, que segundo a pessoa Eyak relata (vou me referir como “pessoa” porque não ficou claro o gênero dela na postagem), faz referência a tribos indígenas semi-extintas do noroeste do pacífico. A tribo Eyak inclusive se tornou mundialmente conhecida por ser uma das que mais luta pela preservação de sua cultura, mesmo que a última falante da língua Eyak e representante sanguínea da tribo tenha morrido em 2008. Ainda assim, há muitos que aprenderam a língua e lutam para que ela continue viva, e justamente apelam para que outras culturas apropriem-se de traços culturais dessas tribos para que elementos culturais delas continuem vivos. Como foi o caso da Pharah, de Overwatch, que usando desses elementos culturais, acaba por valorizar uma cultura que luta para se manter viva.

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Do mesmo modo, a personagem Symmetra também foi alvo de críticas em relação a uma de suas skins na mesma semana. O líder hinduísta Rajan Zed, que vive nos Estados Unidos, alegou que as skins “Devi” e “Deusa” da Symmetra denigrem a imagem da deus Devi, considerada uma das deusas mais reverenciadas pela religião. Devi é formadora das deusas hindus, como se cada uma delas tivessem um pouco de Devi como essência, e diferentes aspectos as diferenciariam.

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Apesar de eu gostar muito dessas skins da Symmetra, tenho que concordar que, tratando-se de costumes religiosos, é complicado usar a imagem de deuses em um jogo cujo objetivo é eliminar o time inimigo com armaria pesada. Apesar da imagem das deusas (que possui diferentes representações) e as skins da heroína possuírem diferentes elementos, como a saia da Symmetra ser curta, o corpo mais exposto, o uso de calçado, Symmetra representa mais que isso. As caveiras penduradas no quadril são referência à Kali, outra deusa hinduísta, enquanto sua pele azulada representa a fé nas coisas infinitas. O líder hindu critica que as skins de Symmetra não correspondem às representações da deusa Devi, e denigrem sua imagem ao ser usada com controles como consoles, mouse e teclado. A deusa deve ser reverenciada em templos e altares sagrados, e não reduzida a um simples personagem de video-games.

Antes que qualquer um venha falar de intolerância religiosa, devemos olhar para a situação com olhos críticos. É histórico a apropriação cultural das culturas orientais, e a imposição da cultura ocidental ao mesmo tempo. A própria Índia, um dos países que possuem o hinduísmo como religião forte, foi por anos subjugada à Inglaterra como colônia, só libertada pela revolução populares que valorizavam a cultura local perante a cultura inglesa que era imposta, principalmente a revolução pacifista do também hinduísta Mahatma Ghandi. Muitas das religiões mais conhecidas não permitem que a imagem de seus santos seja utilizada de forma leviana. Imaginem se no lugar da skin Devi houvesse uma skin da Virgem Maria do catolicismo? No Islamismo, por exemplo, a imagem do rosto de Maomé não pode ser representada. É muito fácil para qualquer pouco entendedor de religião fazer heróis com skins de deuses e elementos sagrados sem saber ao certo quantos erros estão cometendo e sem saber se estão desrespeitando determinada cultura ou não

A Blizzard ainda não se retratou sobre o caso da Symmetra em específico. Esperamos que haja alguma resposta sobre isso e uma possível mudança da skin da heroína.

Por último, mas não menos importante, eu gostaria de falar sobre o Lúcio. O Lúcio é o nosso herói! Brasileiro, nascido nas favelas cariocas, que convivia com um dia a dia duro de um país que passava por momentos difíceis após a crise Ômnica. A história do Lúcio é muito bacana, já que ele através de seu talento musical conseguiu inspirar o povo brasileiro a lutar contra a Corporação Vishkar, uma multinacional que reconstruía cidades com o objetivo de impor ordem na população, utilizando mão-de-obra barata e restringindo a liberdade do povo por onde passava. Lúcio rouba a tecnologia da Vishkar para construir seus apetrechos de música e usá-los contra a corporação, que foi derrotada algum tempo depois graças à sua liderança, transformando-o em um fenômeno mundial.

Aí você pensa: Lúcio brasileiro, carioca, manjador das zoeiras, hu3hu3BR, tem o samba no pé e o funk nas veias. Por mais que o Brasil seja uma multiplicidade de culturas diferentes, eu tenho certeza que a cultura a ser ressaltada não é essa aqui:

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Hóquei?

Podem haver times de hóquei pelo Brasil, não duvido. Mas tem tantas outras coisas que poderiam ser ressaltadas sobre nossa cultura! Sei que o fato dele usar patins dificultam um pouco a escolha de skins compatíveis com o estilo do herói, mas colocasse então um Lúcio skatista, ou até mesmo atendente do Carrefour, mas hóquei não né! Tantas culturas do nosso país podem ser ressaltadas, podíamos ter um Lúcio Tupi, um Lúcio carnavalesco, um Lúcio jogador de futebol ou de vôlei de praia, um Lúcio Saci (com redemoinhos nos pés!) e tantos outros elementos que poderiam ser representados. O Lúcio em si, como personagem, já tem problemas desconhecidos em outros heróis: ele não fala nenhuma frase em português quando está sendo jogado em outras línguas (como por exemplo a Widowmaker fala em francês, ou a Zarya em russo, ou a Ana em egípcio), e mesmo seu sotaque carioca não é assim tão notado, principalmente quando jogamos em outras línguas, como o inglês. Nossa teoria sobre ele é que Lúcio foi um personagem “batizado” como brasileiro só depois de sua criação (ou seja, não criaram um herói brasileiro, mas sim um herói que depois foi assimilado ao Brasil) e acabou não tendo muitas características localizadas para a cultura brasileira.

Representatividade é algo muito importante. Faz com que as pessoas tenham orgulho de serem quem são por se reconhecerem em representações fortes. Tantas marcas estão dando o seu melhor para representar diversas culturas, como a cultura negra, a cultura indígena, maior representatividade feminina, fuga dos esteriótipos dos “heróis” como conhecemos. Nosso mundo possui tantas diferenças culturais que é um desperdício não ressaltá-las, e Overwatch faz isso muito bem. Afinal, quem não quer um herói que seja alguém igual a você?

E vocês, quais personagens são mais bem representados em Overwatch na sua opinião? Você constatou algum problema nessas representações?

Muito obrigada, e até mais o/